Retrato geracional de adolescentes deslocados, o espetáculo “Quando as pessoas andam em círculos” traz um ótimo elenco de jovens atores que dão vida a personagens estereotipados lutando para socializar numa festa. Joga luz em temas contemporâneos como homofobia, bulimia, racismo, misoginia e o preconceito dirigido a qualquer pessoa que não se encaixe na ditadura das aparências. Além da sensação de não pertencimento àquela festa, outro fator comum permeia os presentes: o medo e a ansiedade trazidos pelas redes sociais.

O título “Quando as pessoas andam em círculos” foi retirado da canção “Mad World”, do Tears for Fears: when people run in circles, it’s a very very mad world. A música se tornou ícone com o filme “Donnie Darko” e a peça traz um pouco do clima catastrófico e melancólico do longa, um hit entre o público adolescente.

As músicas que tocam na boate, cenário onde tudo acontece, compõem uma bela trilha que nos embala, sacode e comove. Quando as luzes se acenderam e o protagonista, Ciro Acioli, começou a falar, uma mágica aconteceu e eu agradeci por estar ali… Tamanho carisma do ator foi recentemente reconhecido: aos 30 anos, ele acaba de receber o Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro na Categoria de Melhor Ator. Formando o elenco de jovens talentos estão Bruno Jablonski, Gabriel Rochlin, Igor Orlando, Isis Pessino, Júlia Bruck, Leonardo Bianchi e Mag Pastori.

Os atores na casa dos 20/30 anos vivem personagens sem nomes, mas cada um com uma característica que os difere: o esquisito, a gatinha, a bulímica, o homofóbico, o gay e o negro. Com um celular iluminando-os o rosto numa festa, dançam conforme a música como peixes fora d´água. Todos se sentem desconfortáveis ali, tentando lidar arduamente com as incertezas e inseguranças que a modernidade acarreta.

“Quando as pessoas andam em círculos” é o mais novo espetáculo da Artesanal Cia. de Teatro, prestigioso grupo carioca, que agora inova ao querer atrair o público jovem para o teatro! Recentemente assisti outra peça de seu repertório, “O Gigante Egoísta”, esta voltada para o público infantil, na mostra 30 anos de Cias do CCBB Rio, que me pareceu o cúmulo da delicadeza. Com 24 anos de estrada, este é o primeiro trabalho da Artesanal em conjunto com Daniel Belmonte, prodígio que começou no teatro aos 15 anos de idade. Ele divide a dramaturgia com Gustavo Bicalho. O roteiro a quatro mãos une duas gerações criando um texto pulsante e real, que fala de jovem para jovem.

Depois da estreia em São Paulo, no Sesc Pinheiros em 2018, “Quando as pessoas andam em círculos” chega ao Rio trazendo jovens numa balada sob a iminência de um atentado terrorista que põe em risco a segurança de todos. Os personagens apresentados refugiam-se na virtualização de suas próprias identidades, deixando de existir como seres reais, transformando-se em objetos que são percebidos pelos outros no seu aspecto mais simples e imaturo.

Aparentemente são descolados, mas no íntimo estão totalmente deslocados, escondem sua essência, querem ser percebidos, amados, dissimulam os sofrimentos, quando o mais autêntico e bonito seria mostrar a dor do que se é. “Quando as pessoas andam em círculos” é o registro de jovens desamparados, sem uma referência num mundo bombardeado de informações, imediatismo e gente rasa e apressada. I don´t belong here (Esse não é o meu lugar), canta o Esquisito no palco. Ele é o personagem que mais nos dá esperança, porque é sensível, parece aceitar-se tal como é, observa e reflete. Aí está o diferencial da dramaturgia de Daniel Belmonte e Gustavo Bicalho, refletir para tentar melhorar um pouquinho esse mundo de loucos – a mad mad world.

“Quando as pessoas andam em círculos” apresenta um texto ágil, “que não oferece respostas prontas e propõe uma reflexão mais profunda sobre os temas apresentados”, define o autor e diretor, Gustavo Bicalho. “Nossa pesquisa nos mostrou que nossa possibilidade de resposta se dá através de outras perguntas. Cá estão elas nessa peça”.

Segundo Henrique Gonçalves, também diretor do espetáculo, “Quando as pessoas andam em círculos traça uma radiografia forte da juventude que toma remédio para ansiedade e depressão, a chamada ‘juventude prozac’, e tem receio de tudo: de tomar decisões, dos percalços corriqueiros da vida, de relacionamentos, de olho no olho. Sem mitos que o ajude a construir sua personalidade, ele deve lidar com a complexidade dos tempos atuais, assolado pela angústia e solidão crescentes”. É uma reflexão sobre o mundo contemporâneo.

Desenho de luz é de  Rodrigo Belay, e som, de Luciano Siqueira. Realização da Artesanal Cia. de Teatro, que desde sua fundação em 1995, tem como maior diferencial o trabalho autoral, com extremo rigor estético, textos inteligentes e produções cuidadosas e bem elaboradas.

Eis aqui o teatro mostrando sua força, com uma galera jovem muito boa em cena… Isso traz adrenalina, força pra seguir, dá  alento! Saí lacrimosa, balançada, revigorada. Por mais espetáculos assim e trazendo o público jovem para o teatro. Parabéns e obrigada aos envolvidos! Como diz o Esquisito: “Mesmo que o mundo acabe, a utopia da paz não pode morrer”. E a cultura… importa!

“Quando as pessoas andam em círculos” está em temporada de 03/10 a 25/11, com sessões de quinta a segunda, às 19h30 no Teatro II do CCBB Rio (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – 21 3808-2020). Ingressos custam R$ 30 inteira e R$ 15 meia e podem ser adquiridos na bilheteria do teatro ou online. Duração: 70 min. Classificação indicativa: 16 anos.

Se quiser já entrar no clima, assista um pedacinho da peça neste vídeo aqui. E veja aqui entrevista com o encantador ator Ciro Acioli para o programa Sem Censura, dada em 15/10/19. É interessante porque tem a psicanalista Flávia C. Strauch comentando e explicando os medos e angústias da adolescência (a partir do minuto 18:35).

Crédito das fotos: Andrea Nestrea,  Christina Amaral e João Pacca

*A experiência contada nesse post foi uma cortesia do espetáculo.

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