Contra a censura e a intolerância, o Parque Lage ousa ao abrir as portas do Queermuseu para os cariocas. A exposição, que já deu o que falar, chega ao Rio com entrada franca num lugar idílico. É ver pra crer!

Queermuseu é um “museu metafórico”, nas palavras do curador Gaudêncio Fidelis. O termo “queer”, de origem inglesa, era usado pejorativamente para nomear pessoas do grupo LGBTQ+, mas logo foi apropriado pela comunidade para se denominar e afirmar. Movimentos de resistência também usam as palavras “travesti”, “bixa”, “sapatão” e “veado”. O termo rompe com a heteronormatividade.

O queer representa muita gente e esta é a primeira exposição, assim autointitulada, realizada na América Latina. A mostra, que estreou em Porto Alegre e foi rompida pelo patrocinador, o Santander Cultural, apresenta inclinações queer de pensamento com o objetivo de refletir a respeito de questões de gênero, diversidade e violência.

Arte que critica perversões e violência, quadros mostrando homens em poses afeminadas, corpos erotizados… foram acusados de blasfêmia e apologia à pedofilia e zoofilia. Foi tão intensa a campanha do Movimento Brasil Livre (MBL), que a exposição acabou sendo fechada. A polêmica foi grande. Representantes do ministério público do Rio Grande do Sul visitaram o Queermuseuaveriguaram que as obras não faziam apologia a qualquer crime, pedindo sua reabertura, decisão que não foi acatada.

No Rio de Janeiro, o MAR, Museu de Arte do Rio, quis receber a mostra. Porém, o prefeito Marcelo Crivella, bispo da igreja universal, pelo fato do museu fazer parte de instalações da prefeitura, vetou sua realização com uma declaração constrangedora em que dizia, utilizando um trocadilho, que aquela exposição deveria ir para o “fundo do mar”.

Agora, a Escola de Artes Visuais (EAV) ousa ao reabrir o Queermuseu através de uma exitosa campanha de crowndfunding (vaquinha virtual) jamais realizada no Brasil. Com o valor arrecadado, também foi possível fazer reparos no espaço expositivo onde está a mostra. É um ato de resistência contra a censura, afirmando a liberdade de expressão e o poder transformador da arte.

A cerimônia de abertura contou com sarau e performances. E, enquanto o Queermuseu estiver em cartaz, a EAV realiza fórum de debate e projeto educativo de modo a propiciar a experiência de exercitar o pensamento.

Por falta de espaço, a exposição está menor. Mesmo assim, traz 214 obras de 82 artistas brasileiros. E o que achei mais interessante: os mediadores das salas são todos do universo LGBTQ+, exibindo em seus próprios corpos a metamorfose de gênero.

Alfredo Volpi, Cândido Portinari, Clóvis Graciano, Ligia Clark e Leonilson são alguns dos artistas presentes. Numa mostra paralela, que acontece na casa principal do Parque Lage, há fotos de uma artista da casa que foi brutalmente assassinada – Matheusa, cujo corpo foi incinerado por ser quem era, numa presença-ausência dolorida, grave e que faz pensar.

É interessante visitar Queermuseu e tirar suas próprias conclusões. Vivenciar os quadros que geraram tanta polêmica, tais como: Travesti da Lambada e Deusa das Águas, de Bia Leite, aquele da criança baphônica. Um mediador de uma das salas me contou, que naquele quadro, se identificou com a criança que foi. A autora, tão mal interpretada, com essa pintura tinha a intenção de “celebrar esses traços, que durante toda a infância foram motivo de xingamentos e violência”.

La Femme, de Silvia Giordani, imagino que tenha sido alvo de acusações de pedofilia por retratar uma criança musa como crítica, estava claro. Cristo Nosso de Cada Dia, do escultor Roberto Cidade, mostra a imagem do Cristo com o pênis ereto, “atribuindo-lhe uma condição humana, distante das imagens comumente disfarçadas de sua genitália encoberta”, explicou o autor. Em Cena do Interior II, Adriana Varejão crítica a zoofilia, a pedofilia e é acusada de apologia, sofrendo vários ataques.

Sobre as críticas de blasfêmia à obra Cruzando Jesus Cristo com Deus Schiva, o artista Fernando Baril respondeu que aquilo não era Jesus, mas uma pintura. Amnésia, de Flávio Cerqueira, a escultura em bronze, do menino negro entornando em si um tonel de tinta branca, uma  das polemizadas em Porto Alegre, cuja intenção do autor era mostrar o lado perverso da “mestiçagem”. Adorei especialmente Los Hombres no Deben Llorar, de Alex Cerveny e nem precisa explicar por quê. Vale a pena visitar!

Para que tanto ódio, tanto julgamento, toda essa onda de intolerância? O mundo não é o binarismo ao qual estamos acostumados. É nosso dever conhecer para não banalizar e acima de tudo, nunca julgar. Cercada por pessoas íntegras, inteligentes e interessadas, longe da intolerância que assola os tempos atuais, me senti, ali dentro, num mundo ideal.

Visitar o Queermuseu e assinar o livro de presença pode representar um ato político de resistência de cada um de nós, para mostrar que a gente é que escolhe o que quer ver, e ninguém mais!

Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” fica até 16/09/18 no Parque Lage (Rua Jardim Botânico, 414. Tel 21 2334-4088), de segunda a sexta das 12h às 20h, sábados, domingos e feriados das 10h às 17h. A entrada é franca e a verba arrecadada com a venda dos catálogos da exposição é revertida para a EAV. É proibida a entrada de menores de 14 anos, mesmo acompanhado dos pais, por apresentar nudez e conteúdo sexual. Saiba mais no site da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.

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