Inspirado na novela “O Homem que Caiu na Terra”, de Walter Tevis, com dramaturgia de David Bowie e Enda Walsh, o musical “Lazarus” traz um alienígena que viaja para a Terra para salvar seu planeta Anthea e acaba encalhado aqui. Depois de muito sucesso em São Paulo, a grande produção chega ao Rio para curta temporada no recém reinaugurado Teatro Multiplan, no Village Mall.

Depois de uma amiga assistir “Lazarus” em São Paulo, comentei: “deve ter sido divertido”. “Divertido? Bowie?” – assustou-se ela. “Jamais. É triste ver um extraterrestre ser corrompido pelos humanos”, respondeu.

Será que “Lazarus” trata-se de uma ficção científica? Acredito que não é preciso ser um alienígena para sentir-se inadequado, desconfortável ou fora de foco. Quem nunca teve essas sensações durante o curso normal da vida? “Lazarus” é puro existencialismo à maneira David Bowie (1947 – 2016). As composições do icônico cantor inglês são recheadas de angústia, reflexões sobre a vida, finitude, busca de sentido para compreender o mundo… Embora o recado dado esteja nas entrelinhas, jamais escancarado, mastigadinho. Da mesma forma é em “Lazarus” – é preciso entrega. E essa foi a linha seguida por Felipe Hirsch: segundo o diretor, “Lazarus é mais um convite a uma navegação sensorial do que simplesmente uma peça com enredo e música”.

Com Daniela Thomas e Felipe Tassara na direção de arte,  Lazarus apresenta 18 músicas de diversas fases da carreira de Bowie, incluindo sucessos como Life on Mars e Heroes, além de faixas do último álbum do artista, Blackstar. Jesuíta Barbosa estrela seu primeiro musical e encabeça o elenco que conta também com Bruna Guerin, Carla Salle, Gabriel Stauffer, Luci Salutes, Marcos de Andrade, Natasha Jascalevich, Olivia Torres, Valentina Herszage, Vitor Vieira e Rafael Losso, quem dá vida a Valentine, o serial killer de amantes. Veronica Julian e Diogo Costa no figurino, Maria Beraldo e Mariá Portugal na direção musical, Alejandro Ahmed na direção de movimento e Beto Bruel na iluminação, além de mais 110 profissionais por trás das cortinas, criam gloriosamente uma atmosfera que nos transporta ao universo de David Bowie e Thomas Newton.

Sobre este personagem atormentado, que chega de outro planeta, o autor do romance que inspirou “Lazarus”, disse ter escrito um autorretrato sobre alcoolismo. Assim como Bowie, igualmente torturado pela realidade e sempre a refletir, que substituiu o vício da cocaína pelo álcool, o extraterrestre Thomas Newton chega à Terra em busca de água, mas acaba afogando-se em gim. Diante dessa realidade obscura, a bebida é fuga ou defesa? O que sei é que a arte é um bálsamo.

Em “Lazarus”, os personagens não se comunicam, falam mas não são ouvidos nem compreendidos, estão juntos, mas isolados, numa tristeza sombria, em relações insossas. E mais, “O Homem que Caiu na Terra” fala de migração, aliás, um alien não é o mais viajado dos imigrantes? O título da peça é uma citação à Emma Lazarus, autora do poema gravado na Estátua da Liberdade que dá boas-vindas aos que chegam a Nova York.

O diferencial da montagem, o ponto mais alto deste trabalho, é o engenhoso cenário! O palco é móvel e em vários momentos se inclina, querendo nos mostrar que não é confortável estar ali, as relações são hostis, não é fácil viver… Um espelho ao fundo reflete os personagens, fazendo com que o público assista algumas cenas apenas pelo reflexo meio desfocado. E o mais interessante: de forma inusitada, letras das canções flutuam diante dos olhos da plateia, numa espécie de tela invisível na frente do palco.

Além disso, o som é utilizado de maneira que impacta e em alguns momentos a gente até tem a sensação de algo estar dando errado… Extremamente original! Todos esses recursos resultam numa angústia bem atraente, bem Bowie, fascinante e rara como seus olhos – um de cada cor – e toda sua trilha sonora espetacular, seu inestimável legado.

“Lazarus” teve sua estreia na Off-Broadway no New York Theatre Workshop, em dezembro de 2015. A montagem brasileira estreou em março de 2019 em São Paulo, no Teatro Unimed, e agora chega ao Rio de Janeiro carregando uma mega estrutura de quase duas toneladas em equipamentos (entre áudio, luz, projeção e cenário). Os esforços de trazer “Lazarus” para o Brasil se devem ao produtor Jeffrey Neale, da Dueto, que nunca hesitou a quem dar a direção desta grande realização: Felipe Hirsch.

“Lazarus” é brilhante, único e estranho, como certamente apeteceria ao grande ícone cultural morto aos 69 anos. Abra seu coração e boa sessão!

O Teatro Multiplan, no Village Mall, foi reinaugurado em 10 de janeiro desse ano, agora sob direção da própria administradora do shopping, a Multiplan. Com revestimentos acústicos e todos os materiais de sua construção no  padrão das maiores casas de espetáculos do mundo, o teatro tem mil lugares e pode ser adaptado para diferentes tamanhos de montagens e eventos.

Aproveite para combinar sua noite de teatro com alguma das excelentes opções gastronômicas do shopping: Capim Santo, Nolita, Del Plin, Itacoá, Naga, Adega Santiago, Quadrifoglio, Giuseppe Mar e SAL Gastronomia.

Musicais ou biografias nos incitam a buscar mais sobre o autor dramatizado, o que é um presente.  Caso não tenha assistido, sugiro então ver o filme “Velvet Goldmine” (1998), escrito e dirigido por Todd Haynes, uma ficção inspirada em David Bowie e Iggy Pop. Leia aqui o texto que o jornalista e filósofo Dodô Azevedo escreveu para a estreia de “Lazarus” no Brasil. Ele criou um manual para entregar-se de coração e alma ao musical!

O Teatro Multiplan (Av. das Américas, 3.900, andar SS1 – Shopping Village Mall, Barra da Tijuca) recebe “Lazarus” de 06 a 16/02 e de 05 a 15/03 com sessões de quinta a sábado às 21h e domingos às 19h30. Ingressos custam entre R$100 e R$400 e estão à venda na bilheteria do teatro ou online. Duração: 120 minutos.

Créditos das fotos: Flávia Canavarro e Ariela Bueno. A foto de David Bowie é de Gavin Evans.

*A experiência contada nesse post foi uma cortesia do teatro.

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