Na vida real, elas dividem o mesmo teto há dez anos, mas sobem juntas ao tablado pela primeira vez. Debora Lamm e Inez Viana, duas experientes e conhecidas atrizes, conduzidas pelas mãos da diretora Georgette Fadel, abrem sua intimidade numa divertida e cativante reflexão sobre o afeto.
- Post escrito pela colaboradora Carolina Machado.
É segunda-feira e estou no teatro. As luzes se acendem e um cenário maravilhoso se abre diante dos meus olhos. Duas atrizes veteranas no palco. Já dá pra notar, a noite vai ser boa. Cheguei. E vou ficar.
“Eu fico porque sua dança é um rock que turbina os circuitos elétricos do meu cérebro e não consigo parar de me mover por noites de insônia enquanto pensamos em formas de salvar a humanidade da falta de amor.” Aqui eu reproduzo um trecho da dramaturgia para contar que a montagem foi inspirada numa performance de John Lennon e Yoko Ono apresentada há 50 anos, quando o casal abriu sua cama para o mundo recebendo a imprensa em seu quarto de hotel. A intenção era protestar contra a Guerra do Vietnã e também em defesa do amor.
É sobre isso que Débora e Inez querem questionar: os afetos e o amor como ato político. O que nos liga a uma pessoa? Por que algumas pessoas ficam e outras passam despercebidas por nossa vida? O que nos faz ficar numa relação? Por quem somos atraídos? Que ponte é essa? Todas estas reflexões me levam a um verso de Cora Coralina: “Nas palmas de tuas mãos leio as linhas da minha vida. Linhas cruzadas, sinuosas, interferindo no teu destino.”
Tão belo quanto a poesia de Cora, é o texto inédito de Pedro Kosovski. Foi construído sobre esses questionamentos durante o processo de criação do espetáculo, tendo as experiências de vida das atrizes como fio condutor para uma história de amor. Assim nasceu a trama: um encontro nunca é só um encontro.
Repare no soberbo diálogo da cena em que as duas atrizes, declaram uma para outra, alternadamente, “Eu fico porque…” simulando uma excitação que culmina em orgasmo. Observe a criatividade do texto, um deleite para o espectador.
Abraçando este ensaio poético, o cenário criado por Simone Mina, também diretora de arte e figurinista da peça, revela o ambiente de intimidade do casal: um grande edredom que vai sendo dobrado e desdobrado ao longo da peça. Achei bacana demais, visualmente lindíssimo! O edredom também vira a areia da praia por onde uma passava e a outra a contemplava, momento da memória em que as personagens se cruzam pela primeira vez.
Débora e Inez, um casal do mesmo sexo em cena, mas a meu ver, “Por favor venha voando” fala de todas as relações amorosas: o encontro, o flerte, a intimidade com seus altos e baixos, encantos e desencantos. Enfim, as relações em eterno movimento, começos e recomeços. A beleza e o ridículo de se estar apaixonado, a admiração pelo outro, a vontade de ficar e o descontentamento.
E de novo, o que dizer sobre a dramaturgia de Pedro Kosovski? Deguste a riqueza do texto louco, apaixonado, criativo! Sublinhei na imaginação várias metáforas, como por exemplo: “Se você fosse doce, você se derretia na minha boca. Você não é doce.” Pedro é um profissional profícuo, dramaturgo, diretor teatral e professor universitário de artes cênicas. Tive a chance de assistir uma de suas peças, a premiada “Caranguejo Overdrive” já faz um tempinho.
Debora Lamm, maravilhosa nesse papel dramático e também muito espirituosa e natural. Artista premiada e experiente, abarca 22 anos de carreira como atriz em todos os meios, TV, cinema e teatro e ainda, diretora (leia aqui nossa crítica de uma peça recente dirigida por ela, “O Abacaxi”).
A Iluminação forte de Ana Luzia De Simoni também é um diferencial e combina com o cenário em tons de branco que me deixou encantada! Juntas criam belas imagens, mais a prosa poética de Pedro Kosovski e a graça e a verdade de Débora e Inez Viana juntas e em movimento culminam num delicioso espetáculo.
E que sorte morar no Rio de Janeiro com uma cena teatral tão rica! Poder celebrar happy hour no teatro. Pra quem trabalha no centro então, sair do escritório caminhando e cair num lugar de cena cultural vibrante da cidade, o CCBB, e assistir a uma peça gostosa durante a semana. Vivemos realmente na Cidade Maravilhosa.
“Por favor venha voando” dura 80 minutos e está com temporada de 14 de março a 29 de abril de 2019, de quinta a segunda, às 19h30 e com sessões extras nos sábados de 23 e 30 de março e 6, 13 e 20 de abril, às 17h30 no CCBB Rio (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Teatro II Tel. 21 3808-2020). Ingressos: R$30 (inteira) e R$15 (meia) na bilheteria ou pelo site Eventim. Saiba mais no Facebook da peça.
Crédito das fotos: Elisa Mendes
*A experiência contada nesse post foi uma cortesia do espetáculo.
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