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Assisti na última sexta-feira ao lindo espetáculo “Felizes Mortos”, que tem temporada curta de apenas cinco semanas. Num teatro intimista, dentro de um espaço jeitoso em Botafogo – o belo casarão restaurado chamado Reduto – a sessão estava completamente lotada. A peça traz para o debate o peso da culpa e da moral em nossas escolhas no decorrer da vida.

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“As pessoas me dizem quem sou. O espaço me diz quem sou. Eu digo o que sou. Mas eu não me reconheço”. Neste relato autobiográfico, Adriana Perin reforça a força e autoestima femininas, desconstruindo a mulher que foi e inventando seu lugar num mundo sem rótulos. E deixa nas entrelinhas um recado: não se limite, liberte-se.

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Um texto tão atual, num Brasil que só faz andar para trás, Os Javalis tem dramaturgia de Gil Vicente Tavares e é livremente inspirado num clássico de 1959, “O Rinoceronte”, do escritor e dramaturgo romeno, Eugène Ionesco (1909 – 1994). Ionesco se destacou como mestre do teatro do absurdo, movimento artístico nascido na França que quebrou convenções dramáticas e tentou transmitir a sensação de viver num mundo que parecia sem sentido.

No romance que deu origem à peça Os Javalis, os moradores da cidade foram contaminados por uma doença – a “rinocerontite” – que os transforma em rinocerontes e os faz até mesmo desejarem se tornar o animal. Na adaptação, esse “pós-apocalíptico” vem em forma de javalis. Em cena, o espetáculo dirigido por Emiliano D’avila, segue a tradição da estética do absurdo.

No palco, um homem solitário tem seu apartamento invadido por um suposto vendedor que, apavorado e beirando a histeria, anuncia o fim da humanidade que, segundo conta, foi devastada por javalis. A princípio o dono da casa duvida, quer expulsá-lo, mas é levado na conversa enquanto estranhos eventos acontecem em sua residência. Há referências ao cinema noir e a trilha sonora original de Ricco Viana foi composta inspirada em filmes de ação.

Tensa e engraçada, a peça é atravessada pela invasão do desconhecido e pelo perigoso poder do discurso. Há momentos de humor, que vão do ácido ao patético, e um confronto muito interessante entre os dois personagens, interpretados com primor pelos atores Lucas Lacerda e Junior Vieira, suscitando uma tempestade de sentimentos tais como dúvida, insegurança, loucura, medo e solidão, culminando num final surpreendente!

Assim como em “Bird Box”, atual sucesso no Netflix, a trama é conduzida por uma potencial ameaça que vem de fora. Os Javalis também traz um invisível aos olhos, deflagrando interpretações mil. Pelas mãos de Ionesco, autor do romance que deu origem à peça, o texto é visto por muitos como uma parábola do fascismo.

Tendo o totalitarismo como pano de fundo, o dramaturgo temia as correntes de opinião, sua rápida evolução, seu poder de contágio, que segundo ele, era como uma epidemia de verdade.  Ele disse: “Repentinamente as pessoas se deixam invadir por uma nova religião, uma nova doutrina, um novo fanatismo. Em tais momentos testemunhamos uma verdadeira mutação mental. (…) temos a impressão de estarmos vendo monstros – rinocerontes, por exemplo. A rinocerontite não é só a doença, mas é também a força do conformismo“.

Gostei demais de Os Javalis, porque dribla o absurdo em que vivemos com o próprio absurdo, digo, a vertente do teatro do absurdo!  Tendo como norte a ruptura do lógico e a fuga do natural visível, ridiculariza as situações mais banais e cotidianas e também retrata de forma clara a solidão e a insignificância do ser humano.

Nas palavras do diretor Emiliano d’Avila, Os Javalis destaca o perigoso poder do discurso e do conformismo que transforma os homens em reles marionetes. “Inerte, ele renuncia àquilo que lhe é mais essencial e que o diferencia das demais espécies animais: a capacidade de raciocínio”.

Para o ator Lucas Lacerda, quem também assina a direção de produção, “a invasão dos javalis é uma grande metáfora do que estamos vivendo hoje em dia. Essa ideia caótica, e ao mesmo tempo absurda, coloca em questão a disseminação de ideias falsas que faz com que duvidemos até de nossas próprias crenças”. Essa manipulação do outro frágil, essa invasão, acaba sendo uma violência!

Texto e atuações apetitosos, tivemos uma noite hiper-agradável com gostinho de quero mais porque infelizmente a peça dura só 60 minutos. Corra, pois a temporada é curtinha e vale muito a pena! Riso, aflição, sustos e a cabeça fritando em pensamentos. Afinal, como reagimos diante de uma ordem, uma nova informação, fato ou invasão? Duvidamos, aceitamos ou resistimos? O espetáculo aponta para diversos caminhos e pontos de vista. Qual será sua leitura?

Os Javalis tem curta temporada, até 01/02, quintas e sextas às 21h no Teatro Glaucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/nº – 21 2332-7904), que fica logo na saída da estação de metrô Cardeal Arcoverde, em Copacabana. Ingressos custam R$40 (inteira) e R$20 (meia). Também disponíveis para compra no site do Ingresso Rápido, aqui. Mais informação no Facebook de Os Javalis.

Crédito das fotos: Marcio Freitas e Ian Cheibub

*A experiência contada nesse post foi uma cortesia do espetáculo.

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Comédia muda espetacular e original feita com muito esmero. Elenco, cenário, música, luz, figurino, direção criativa, tudo nos trinques e na mais perfeita harmonia! Daquelas peças que você agradece por assistir. Sem exagero e sem bajulação, porque são meus conterrâneos mineiros, mas é tão gratificante ter a sorte de vivenciar espetáculos de linguagem única e irreverentes como “No Pirex”.

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