Numa noite chuvosa de 1946, o novelista Maurice Bendrix encontra Henry Miles, marido de sua ex-amante Sarah. Os dois tiveram um tórrido caso amoroso dois anos antes, até que, sem qualquer explicação, Sarah terminou o romance. Um encontro casual com Henry reacende a obsessão de Maurice por Sarah, num misto de ciúme e desejo de reencontrá-la e entender de vez o porquê daquele rompimento. “Fim de Caso”, do escritor inglês Graham Greene, chega ao palco no Rio.

Londres, Segunda Guerra Mundial, numa cidade sitiada por bombardeios em permanente tensão, um casal se ama. Acompanhamos tudo em retrospectiva, enquanto o escritor datilografa, conforme definição própria, seu “diário de ódio”. Ele não sabe se odeia o marido, a mulher ou a ele mesmo – escrevendo, ele tenta entender.

“Fim de Caso”, obra do escritor inglês Graham Greene (1904-1991), ganha sua primeira adaptação para os palcos por Thereza Falcão. Com direção de Guilherme Piva e idealização de Felipe Lima, espetáculo estreou em agosto no Teatro Oi Futuro Flamengo, trazendo Eriberto Leão, Isio Ghelman e Vannessa Gerbelli no elenco. O produtor Felipe Lima, quem recentemente viabilizou a bem-sucedida montagem de Dogville, idealiza essa primeira versão teatral para o romance “The End of the Affair” (título original).

O espetáculo mescla teatro e artes visuais para trazer à luz os dois pontos de vista envolvidos no relacionamento e na separação de um casal. Considerado uma obra-prima, o romance foi publicado em 1951, traduzido para 25 idiomas e adaptado para o cinema pelo diretor Neil Jordan, em 1999, com Ralph Fiennes, Juliana Moore e Stephen Rea vivendo o triângulo amoroso. O filme está na minha lista de favoritos, e quando soube da adaptação para o teatro fiquei muito entusiasmada!

Transpor a peça para o teatro sem perder a grandiosidade da obra original (que conta com 300 páginas!) é a maior dificuldade no trabalho de adaptação, conta Thereza Falcão. O recorte escolhido foi o triângulo amoroso formado por Bendrix, Sarah e Henry. “Meu maior interesse sempre foi falar dessa história de amor. De como interpretamos situações a partir do ciúme e do medo da perda. Da maneira como, muitas vezes, reduzimos a pessoa amada à nossa estreita visão e conceito. De como a sufocamos, sem perceber, e o quanto a pessoa amada é capaz de suportar essa prisão. E das renúncias que somos capazes de fazer por um grande amor”, comenta.

Na trama, Maurice Bendrix (Eriberto Leão) perde o rumo após Sarah Miles (Vannessa Gerbelli) terminar o ardente caso extraconjugal que mantinham há dois anos sem qualquer explicação. E surge uma questão: se ela o amava verdadeiramente, por que o abandonou? Não deveria o amor ser motivo suficiente para que continuassem juntos? Saber que Sarah mantinha casos extramatrimoniais ao longo de seu atual casamento com Henry (Isio Ghelman) faz o amante pensar que ela certamente o teria deixado por uma terceira pessoa. E aí está instaurado o conflito. Pensar, pensar, fritar… Às vezes refletimos demais!

Bendrix se magoa, se aflige, nutre uma paixão louca pela sensual Sarah. É um escritor, um artista, passional, possessivo, mas também muito orgulhoso. A trama vai girar em torno dessa pergunta que ele nunca conseguiu responder. Eriberto Leão transmite com voracidade esse tormento. Sofremos junto com ele. Já Vanessa Gerbelli impregna de sensualidade e força sua personagem voluptuosa, enquanto que Isio Ghelman nos comove com sua simplicidade e bondade no papel de marido traído. Ele é um burocrata sem graça que proporciona uma vida confortável à mulher em forma de casamento funcional, desprovido de paixão, e portanto, infeliz. Em sua apatia, não faz ideia que a mulher seja infiel. Está formado o triângulo: Sarah (vibrante, feminina!), Bendrix (passional) e Henry (racional).

Um teatro multissensorial é apresentado ao público. Temos acesso a todos os pontos de vista de uma paixão e isso é muito interessante e rico. É bonito o que vemos, a linguagem está fortemente conectada à cenografia, aos figurinos, à iluminação e à trilha sonora. Presente e passado se alternam e ao fundo imagens sendo projetadas potencializam o conflito. Amor x ódio, medo x desejo, lealdade x infidelidade, luz x sombra, são sentimentos presentes nos relacionamentos. “O livro retrata muito isso, mas quisemos pegar o lado da sombra dos sentimentos – da raiva, do ciúme e da posse – que são as contradições que temos”, diz Piva.

“Fim de Caso” fala não só de amor, mas de escolhas e ideais e também pode ser um início de amor por Graham Greene, se você ainda não o conhece! Adaptações são geniais porque nos despertam para outros meios, contribuem quando nos apresentam autores ou nos fazem lembrar deles. Mais não digo, para não dar spoiler e estragar a surpresa lapidada pelo escritor best-seller. “Fim de Caso” trata-se dos incertos caminhos da paixão, do quanto eles podem ser sinuosos e improváveis (isso também poderia acontecer nas amizades). Também faz refletir do quão fortes são nossas crenças e de como, muitas vezes, julgamos as pessoas e distorcemos os fatos. Além, é claro, de nos fazer querer viver uma paixão como aquela!

“Fim de Caso” está em temporada no Teatro Oi Futuro Flamengo (R. Dois de Dezembro, 63 – Flamengo, Rio de Janeiro) até 17/11/19, com sessões de sexta a domingo às 20h. O espetáculo tem duração de 1h15. Ingressos custam R$ 30 inteira e R$ 15 meia e podem ser adquiridos na bilheteria do teatro (que funciona de terça a domingo, de 14h às 20h) ou online ou ligue para 21 2576-0300. Confira também o Facebook da peça.

Crédito das fotos: Ale Catan

*A experiência contada nesse post foi uma cortesia do espetáculo. 

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