Um filho que parte antes dos pais é o que há de mais ilógico. A dor da perda desse ente tão querido não é contada aqui através do olhar da mãe, pai ou avó, mas pelo ponto de vista da irmã cujo irmão mais velho venerava. Jéssika Menkel, irmã, autora e atriz em cena, guiada pelas mãos do diretor Daniel Herz, soma um quinto elemento a esse cubo de afetos – nós, a plateia! Está preparado? Rasga coração!

• Post escrito pela colaboradora Carolina Machado.

Mario Vargas Llosa, ganhador do prêmio Nobel de Literatura, diz que “a escrita põe ordem no caos da vida”. Outra escritora também latina, Rosa Montero, citou algo parecido, “escrever salva vidas”. Quanto tempo dura um luto? A psicanálise chama de sublimação o ato bem-sucedido de dar finalidade a uma dor de forma criativa. Foi esse o recurso usado por Jéssika Menkel, a atriz paulista que transformou em dramaturgia uma tragédia pessoal, a perda do irmão. E o fez com a alma, resultando num texto potente e muito original. Em “Cálculo Ilógico”, ela desafia a lógica da matemática tentando entender as adversidades da vida através de cálculos, fórmulas e probabilidades.

Em cena, a personagem relembra, revive, calcula acontecimentos e expõe, em números, a eliminação errada de seu irmão, também convertido em termo matemático. Pelo viés da lógica matemática ela analisa a probabilidade dos acontecimentos e busca razões nos números para explicar, segundo a autora, “um cálculo chamado vida”.

Transformando dor em arte, “Cálculo Ilógico”, uma auto-ficção, nos brinda com um texto potente e emoções desmedidas. Não à toa, o espetáculo tem apenas 55 minutos de duração, do contrário, ficaríamos sem ar… É quase claustrofóbico. Mas não se assuste, o final acalanta o coração! Quando acabou a peça minha vontade era de dar um abraço apertado nela, Jéssika Menkel.

Soma-se ao texto, a direção extraordinária do experiente diretor Daniel Herz, é notável sua presença em cada movimento da atriz. Repare no trabalho corporal matemático. Aliás, tudo neste espetáculo é matemática, até Deus vira fórmula no texto de Jéssica. Atenção aos detalhes! O cenário é um recorte trigonométrico, cubos, cubos e corpo que formam um triângulo, vestimenta, roupa em farrapos, um coração em frangalhos, tecidos fragmentados, uma alma despedaçada e música especialmente composta para tal.

Um luto pode não terminar nunca. A poesia do pai que nunca deixa de sorrir quando vê a filha, a mãe que sobrevive graças à existência dessa filha. Como reagimos a uma perda? Qual a medida de uma dor? A matemática pode explicar a vida? Os filhos nunca devem ir antes de seus pais. Um filho que sai de casa é também perda?

Corpo e texto, direção e atuação, essa junção é o ponto forte de “Cálculo Ilógico”. Se você adora teatro, aproveite essa oportunidade de assistir um dos espetáculos mais intensos e impactantes que já vi!

“Cálculo Ilógico” esteve recentemente em Portugal e agora inicia sua terceira temporada no Rio, no Teatro Poeira (Rua São João Batista, 104 – Botafogo) com sessões nas terças e quartas às 21h, de 08/10 a 30/10/19. Ingressos custam R$60 (inteira) e R$30 (meia) e podem ser adquiridos na bilheteria do teatro ou online. Mais informações pelo Instagram ou Facebook da peça. Clique aqui para assistir ao vídeo teaser de “Cálculo Ilógico”.

Crédito das fotos: Bia Chaves e Alberto Maurício

 *A experiência contada nesse post foi uma cortesia do espetáculo. Publicado em 15/05/19, atualizado em 03/07/19 e 07/10/19.

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