“As pessoas me dizem quem sou. O espaço me diz quem sou. Eu digo o que sou. Mas eu não me reconheço”. Neste relato autobiográfico, Adriana Perin reforça a força e autoestima femininas, desconstruindo a mulher que foi e inventando seu lugar num mundo sem rótulos. E deixa nas entrelinhas um recado: não se limite, liberte-se.

Uma das peças mais feministas que já assisti, uma inspiração! Uma atriz solo, envolvente, num cenário criativo, público envolto em música boa, assuntos cotidianos e reflexões, muitas reflexões. Relatos retratos de nós mesmos, que nos conecta, que faz a gente olhar para dentro e notar que muitas vezes repetimos padrões. Não se preocupar com o que os outros dizem, não julgar, como é difícil ignorar a aprovação social! Já nascemos querendo ser aceitos.

Isso é um pouco de “Auto Eus”, um autorretrato corajoso de sua protagonista, a atriz-personagem-e-ela-mesma em cena, Adriana Perin, que divide a dramaturgia com Paula Vilela e Raíssa Venâncio (também diretora do espetáculo), um time só de mulheres! Que orgulho delas! Em cena, Adriana desconstrói a mulher que foi, expondo com coragem e verdade seus auto eus, como o eu de todos nós: fragmentado, plural e multifacetado vivendo num só corpo.

O poeta e jornalista inglês, Walt Wittman, aquele celebrado em “A Sociedade dos Poetas Mortos”, redigiu no jornal em que escrevia: “Me contradigo sim. Eu contenho multidões”. Somos feitos de luz, mas também, de sombras. E como conviver harmonicamente com tantos eus? Na peça, Adriana dá uma pista… Somos vulneráveis e “Auto Eus” fala, sobretudo, de aceitação.

Todas essas reflexões brotaram em mim depois de assistir ao espetáculo solo em que a personagem mergulha em desconstrução, recomeços e empatia. Ela, que é divorciada, inicia relatando como foi seu casamento. Um jeito de se casar que hoje, acredito, ela não repetiria. Se olhamos para trás, para nossa trajetória, não poderíamos imaginar a quantidade de vidas distintas que pode haver numa só vida.

Observe-se. Mudamos a cada minuto, é uma dádiva. A qualquer momento podemos abandonar nossos sentimentos e ideias cristalizadas e começar tudo de novo. O texto é uma jornada em busca da empatia por si mesmo e consequentemente pelo todo, já que somos caóticos num mundo caótico. Toca no tema da ilusória expectativa da aprovação social, um veneno que acarreta decorrentes frustrações.

A dramaturgia passa pela trajetória dessa perspicaz atriz capixaba, que mora há 11 anos no Rio. Culpa, barreiras internas, seu processo de ruptura, espiritualidade, estada num acampamento MST aos 15 anos, uma viagem transformadora à Índia, um projeto social de cinema com minorias e menores infratores. Os temas fluem no palco. A vida é fluxo, a vida é conflito. Tudo nos leva a aceitar a fluidez da vida. E o que vemos é uma mulher que sabe o que quer.

O teatro é uma arte que nunca limita, e sim liberta! Deixo para Adriana, espetáculo de mulher, esses versos de Clarice Lispector que, a meu ver, traduzem a liberdade que senti diante dessa peça inteira, da sublimação de toda essa inquietude, principalmente feminina, transformada com êxito em “Auto Eus”:

“É com alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia de que funde com os mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. (…) Fui ao encontro de mim. Calma, alegre, plenitude sem fulminação. Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar. O que te escrevo é um isto. Não vai parar: continua. Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo. O que te escrevo continuo e estou enfeitiçada.” (Água Viva).

“Auto Eus – A Ditadura da Aprovação Social” teve temporada alongada até 22/05/19, terças, quartas e quintas às 21h, no Teatro Poeira (Rua São João Batista 104, Botafogo). Ingressos custam R$25 (meia entrada ou lista amiga) e R$50 (inteira) na bilheteria do teatro (que funciona de terça a domingo, das 15h às 19h – 21 2537-8053) ou online. Duração: 80 min. Classificação etária: 16 anos. Mais informações no Facebook ou Instagram de “Auto Eus”.

 Crédito das fotos: Saulo Nicolai e Fernanda Mansur.

*A experiência contada nesse post foi uma cortesia do estabelecimento.

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