Fiquei pensando por que gostei tanto desta peça: se pelo talento dos dois grandes atores, Herson Capri e Genézio de Barros, a música tocada e cantada ao vivo pela violoncelista Nana Carneiro da Cunha, a precisa iluminação, todo esse conjunto… Mas acho que o que mais me impressionou mesmo em “As Brasas” foi a elegância do texto. Salve Sándor Márai, escritor húngaro autor do romance homônimo que deu origem ao espetáculo.

Você já ouviu falar em Sándor Márai? Eu o conheci através de um amigo ator, João Paulo Lorenzon, que teatralizou um de seus romances, “De Verdade”. Quando soube que “As Brasas” iria estrear no Rio, quis logo ir assistir, pois este autor descreveu com primor e profundidade as relações humanas. O romance curto e intenso chamado “As Brasas”, no qual se baseia a peça, traz temas como velhice, honra, finitude, lealdade e paixão – que são dissecados a fundo a partir da relação de amizade entre dois homens que não se veem há quatro décadas.

Herson Capri vive o velho general Henrik, que recebe na solidão de seu castelo uma carta de seu amigo de infância, Konrad, interpretado por Genézio de Barros. Ambas atuações esplêndidas! Os amigos não se veem há 41 anos e, para o reencontro, Henrik abre para Konrad as portas de seu palacete na região dos Cárpatos, na Hungria. Havia chegado a hora da verdade.

Esse encontro íntimo entre os dois homens, num mundo que não existe mais, o da decadência de castelos e aristocratas, também descreve um tempo, se dá logo após o início da Segunda Guerra Mundial. É tão forte e bonita a amizade deles, há uma nobreza de sentimentos, algo que não existe mais hoje em dia, há culpa e ressentimento, mas um afeto maior do que tudo.

“As Brasas”, romance escrito em 1942 e primeiro título do autor a ser publicado no Brasil, é bem musical, e por isso divide a cena com os atores a violoncelista Nana Carneiro da Cunha que além de executar ao vivo a trilha sonora criada por Marcelo Alonso Neves especialmente para o espetáculo, tem um canto envolvente que relaxa. Nana também faz a voz feminina, de Kriztina, importante personagem na trama.

Os dois amigos não se viam desde um dia exato em 1899, após uma caçada, quando Konrad desapareceu. Por quê? O que de tão grave aconteceu aquele dia? Henrik agora está velho e esse mistério o incomoda. Ele anseia pela verdade, que se desdobra em questões bem mais amplas enquanto a lenha queima, arde na lareira. A alegria dos amigos ao se reencontrarem, a luta de esgrima e logo o duelo elegante de palavras tornam esse espetáculo uma joia rara. Os silêncios do passado são quebrados e ainda há um ar de nostalgia dos tempos áureos do castelo, onde paira entre os dois o fantasma de Kriztina. Quem gosta da palavra, vai adorar.

Foi isso que cativou Duca Rachid. É a primeira vez que a roteirista, já experiente na TV, escreve para o teatro. Ela e  Júlio Fischer, dramaturgo com quem assina a autoria do texto, leram o livro enquanto trabalhavam juntos na série “O Sítio do Picapau Amarelo” para a Rede Globo e se apaixonaram perdidamente por “As Brasas”. Segundo a autora, “as paixões movem o mundo, mas também podem nos custar muito caro” – este é outro fator que vem à tona no espetáculo.

Nascido em Kassa, pequena cidade húngara que hoje pertence à Eslováquia, Sándor Márai (1900-1989), foi escritor, poeta e jornalista. Exilou-se em 1948, inconformado com a implantação do comunismo em seu país. Em 1979 fixou-se nos Estados Unidos, onde viria a suicidar-se dez anos mais tarde. É autor de 46 livros, na maioria romances que tiveram enorme sucesso na Hungria entre as duas guerras mundiais.

“As Brasas” é a busca pela verdade ardendo no peito. Nada mais genuíno e potente. Belíssimo!

O espetáculo tem curta temporada, de 7 a 30/11, quartas e quintas às 20h e sextas às 21h. Está em cartaz no Teatro das Artes (Shopping da Gávea – Rua Marquês de São Vicente 52 – 21 2540-6004). Ingressos custam R$60 inteira e R$30 meia. Confira também o Facebook e o Instagram de “As Brasas”.

Créditos das fotos: Caio Gallucci (cena) e Leo Aversa (estúdio)

*A experiência contada nesse post foi uma cortesia do espetáculo.

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