O sonho da casa própria, relação conjugal e expectativa, formar uma família, ter filhos, estabilidade financeira, sucesso x fracasso, individualismo, alienação, solidariedade, crise, desemprego, medo, incertezas, modelos sociais, aparências… No Nerium Park tudo é finitude.
- Post escrito pela colaboradora Carolina Machado.
Desde que fui assistir à peça, em sua primeira temporada no Rio, no Teatro Glaucio Gill, não paro de pensar nela. Saí de queixo caído! Rafael Baronesi, ator em cena, é o idealizador da montagem. Foi ele quem teve a sensibilidade de escolher o texto escrito em 2012 pelo dramaturgo espanhol Josep Maria Miró, já encenado em 10 países. Outra peça de sua autoria, “Princípios de Arquimedes”, também já circulou por aqui. “Nerium Park” é um triller contemporâneo sobre a busca de um casal de classe média por uma vida idealizada em meio a um sistema falido.
Tenso e intenso. Belo e tóxico. Bem-vindos ao “Nerium Park”! O titulo faz alusão ao Nerium Oleander, nome científico de um arbusto ornamental e tóxico, conhecido no Brasil como espirradeira. E é para um condomínio lindo e verde, com entrada cercada por um bosque de espirradeiras, para onde o jovem casal se muda. Logo esse paraíso idílico será convertido em ruínas.
No palco, dois atores em perfeita sintonia: Rafael Baronesi e Pri Helena, da Cia Cortejo. Iluminação que faz toda a diferença de Paulo César Medeiros, figurino cool de Ticiana Passos e direção de Rodrigo Portella. O diretor tem espetáculos premiados tais como “Uma História Oficial”, “Insetos” (com o qual concorre ao Prêmio Shell 2018 de Melhor Direção) e “Tom na Fazenda”. Esta última, vencedora de prêmios em várias categorias. Ele também assina o cenário minimalista junto com Julia Deccache. As plantas vão tomando conta do apartamento e envenenando a relação do casal.
Tudo isso e mais um pouco para ambientar a vulnerabilidade humana personificada num jovem casal repleto de sonhos. Miguel e Malu estão em busca de qualidade de vida, planejam ter um filho e são os primeiros a chegar ao condomínio “Nerium Park”. Os meses passam, ninguém se muda pra lá e os dois se veem isolados vivendo à margem do mundo, à beira de um colapso. Os personagens vão se desequilibrando, o casal se desentende, ele quer ficar próximo à natureza, ela sente saudade da loucura da cidade, eles vão se perdendo um do outro e a convivência amargura. “Nerium Park” se revela um falso paraíso: cercados não estão a salvo das penúrias da vida.
Tive acesso ao roteiro e depois que o li fiquei ainda mais apaixonada pela interpretação dos dois atores, Rafael Baronesi e Pri Helena. Ele, mais coração, ela, mais pés no chão. Deu vontade de ver de novo!
É um espetáculo instigante que desperta reflexões. Através do cotidiano de um casal, “Nerium Park” nos convida a responder algumas perguntas: até onde iríamos para ajudar o próximo, como lidamos com o fracasso, o que nos une a uma pessoa, quando não reconhecemos mais nosso companheiro? É um suspense de tensão constante revelando expectativas artificiais em tempos instáveis. Super atual!
“Nerium Park” toca em falsas promessas de felicidade: aquela vida idealizada acaba sendo exclusiva demais, fake demais, higienizada demais. O mundo ideal dá lugar à hipocrisia e revela nossa inabilidade para lidar com o fracasso. Convido vocês a sair da zona de conforto e visitar o “Nerium Park”, uma tragédia de verdade, uma pancada!
O espetáculo tem nova temporada no Rio de 03/11 a 02/12 no Teatro Dulcina (Rua Alcindo Guanabara, 17 – Centro – 21 2240-4879) com sessões de sexta a domingo, às 19h. Ingressos: R$30 (inteira) e R$15 (meia). Fique de olho no facebook da peça.
Leia também nosso post sobre “Tom na Fazenda”, do mesmo diretor de “Nerium Park”, Rodrigo Portella.
- Crédito das fotos: Renato Mangolin
*Post publicado em 31/08 e atualizado em 02/11. A experiência contada nesse post foi uma cortesia do espetáculo.
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