Paraíso do Tuiuti | samba-enredo 2020

Até o carnaval de 2018, a G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti, do bairro de São Cristovão, era uma escola praticamente desconhecida do grande público, apesar de ter sido fundada em 1952. Até então, alternava participações nos grupos de acesso (chegou a ser até do Grupo C), tendo participado do Grupo Especial apenas em 2001. Em 2016, foi campeã do Grupo de Acesso, conquistando a vaga no Grupo Especial, no qual teve uma participação mediana em 2017. 

Para o carnaval de 2018, apostou num enredo acerca da escravidão, que trouxe também críticas ao atual modelo de relações de trabalho no Brasil. Ficou conhecida mundialmente por conta do Carro do Vampirão e conquistou o vice-campeonato. Em 2019, a escola novamente teve um bom desfile. 

Para 2020, a escola aposta num enredo sobre a devoção a São Sebastião (padroeiro da cidade do Rio de Janeiro e da escola) e Dom Sebastião, rei de Portugal que foi mitificado. 

VERSO A VERSO

Todo vinte de janeiro
Nos altares e terreiros
Pelos campos de batalha
Uma vela pro divino
O imperador menino
Um Sebastião não falha

O samba começa apresentando o enredo, lembrando o Dia de São Sebastião (20 de janeiro), que é sincretizado como Oxóssi nas macumabas cariocas e também falando de D. Sebastião. Em todo o samba, os “dois Sebastiões” são misturados. Aqui é importante falar das coincidências entre São Sebastião e Dom Sebastião: foi num 20 de janeiro, em 286 d.C., que São Sebastião foi flechado, executado a mando do imperador romano Diocleciano; foi num 20 de janeiro, em 1554, que o Rei de Portugal nasceu (e, por conta da devoção de seus pais, recebeu esse nome). 

Nas marés, o desejado
Infiéis pra todo lado
Enfrentou a Lua cheia
No deserto, um grão de areia
Dom Sebastião vagueia
Sem futuro, nem passado

Nesse trecho o samba lembra o nascimento do mito de Dom Sebastião, falando de sua morte no deserto, quando tentava reviver a glória das Cruzadas. Sua morte iniciou uma crise sucessória no trono de Portugal, fazendo com que o país fosse anexado à Espanha. O corpo de Dom Sebastião nunca foi localizado, o que começou a gerar a lenda de que ele iria voltar. Além disso, alimentava-se a esperança de que sua volta fosse resolver os problemas pelos quais Portugal estava passando. 

Renasce sob nós, um caboclo encantado
Na praia dos lençóis, é o touro coroado
Vestiu bumba-meu-boi
Até mudou o fado
No couro do tambor foi batizado

A região dos Lençóis, no Maranhão, tem um aspecto parecido com a de um deserto. Isso fez com que descendentes de portugueses que habitavam o lugar passassem a acreditar que Dom Sebastião iria voltar naquele lugar. É dessa forma que o mito sebastianista chega ao Brasil. A lenda diz que Dom Sebastião se transformou em um touro negro encantado, com uma estrela na testa e que, para ele voltar, seria preciso matar esse touro com um ferimento na testa. Os couros que revestem vários dos instrumentos usados no bumba-meu-boi fazem referência a esta lenda. 

Poeira, ê! Poeira!
Pedra bonita pôs o santo no altar
Sangrou a terra, onde a paz chorou a guerra
Mas ele vai voltar

Esse trecho faz referência ao acampamento Pedra Bonita, localizado no interior do Nordeste brasileiro, que funcionou em meados do Século XIX. O acampamento reuniu mais de 300 pessoas, que durante dois anos acreditaram que era possível entrar no reino de Dom Sebastião. Após a polícia descobrir a existência do acampamento e tentar desmontá-lo, houve um confronto que deixou mais de 20 mortos. 

Rio, do peito flechado
Dos apaixonados
Rio-batuqueiro
Oxossi, orixá das coisas belas
Guardião dessa aquarela
Salve o Rio de Janeiro
Orfeus tocam liras na favela
A cidade das mazelas
Pede ao santo proteção
Grito o teu nome no cruzeiro
Ó padroeiro! Toda minha devoção

Aqui o samba volta a falar de São Sebastião (o santo que foi flechado) e da cidade do qual é padroeiro. É um pedido de ajuda, para que a vida melhore numa cidade com tantos problemas e desigualdade. Nas macumbas cariocas, São Sebastião foi sincretizado como oxossi, o orixá da mata e da natureza.

No Morro do Tuiuti
No alto do Terreirão
O cortejo vai subir
Pra saudar Sebastião

O refrão aproxima o enredo da escola, falando do morro e do desfile. Largo do Terreirão é uma localidade do Morro do Tuiuti.