Acadêmicos do Grande Rio | samba-enredo 2020

A G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio é uma escola de Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro. A escola foi criada em 1988 e já em 1991 estava no Grupo Especial. Caiu no mesmo ano e retornou em 1993, desde então nunca mais saiu. Foi vice-campeã em 2006, 2007 e 2010. 

Nos anos 1990 a escola apresentou enredos históricos densos. Em um dos seus refrões mais famosos (do samba de enredo de 1996), a escola afirmava que dava um banho de cultura. Após esse período, a partir dos anos 2000, a Tricolor de Caxias apostou em enredos patrocinados na maior parte dos seus desfiles. 

Depois de um péssimo desempenho em 2018, a escola vem tentando mudar sua trajetória. Optou por ter profissionais formados na própria escola em funções importantes (como intérprete e mestre de bateria) e, para 2020, contratou a dupla de carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, que fizeram muito sucesso nas divisões inferiores dos desfiles (foram campeões do terceiro grupo com a Acadêmicos do Sossego em 2016 e em 2018 e 2019 ganharam o Estandarte de Ouro de melhor escola do segundo grupo com a Acadêmicos do Cubango) e propuseram um enredo retomando as raízes negras e populares da escola.

Com Tata Londirá, O Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias, a escola vai falar da história de Joãozinho da Gomeia, pai de santo negro e homossexual que veio da Bahia para Duque de Caxias e ficou conhecido como Rei do Candomblé.

VERSO A VERSO

Salve o candomblé, Eparrei Oyá
Grande Rio é Tata Londirá
Pelo amor de Deus, pelo amor que há na fé
Eu respeito seu amém
Você respeita o meu axé
(Respeita o meu axé)

O refrão principal faz um clamor pelo fim da intolerância religiosa. A Baixada Fluminense, região onde está Duque de Caxias, é a região do estado do Rio de Janeiro onde há mais denúncias e queixas de ataques a terreiros de candomblé e umbanda. Londirá é a digina (nome que o Orixá escolhe para o iniciado) de Joãozinho e Tata é o mesmo que pai. Também há uma referência a Oya, orixá do qual Joãozinho se aproximou ao ficar mais velho. 

É Pedra Preta!
Quem risca ponto nesta casa de caboclo
Chama Flecheiro, Lírio e Arranca-Toco
Seu Serra Negra na jurema, Juremá

Joãozinho praticava o candomblé de caboclo, trabalhando com o caboclo da Pedra Preta. Neste trecho, são citados outros 4 caboclos deste tipo de candomblé (Flecheiro, Lírio,  Arranca-Toco e Serra Negra). Jurema é uma erva usada (foi trazida por Joãozinho para o Rio de Janeiro) para a bebida sagrada da base do culto catimbó e Juremá é o reino encantado. Esse trecho representa uma gira de caboclo, evocando toda a energia dos caboclos. 

Pedra Preta!
O assentamento fica ao pé do dendezeiro
Na capa de Exu, caminho inteiro
Em cada encruzilhada um alguidar

Há uma referência à abertura de uma gira no candomblé, feita sempre para Exu, para que sejam abençoados os caminhos da escola. Dendezeiro é uma árvore sagrada para o candomblé. É dessa palmeira que se extrai o óleo usado para fazer o azeite de dendê. Alguidar é o prato de barro usado para fazer oferendas aos orixás. A flecha será um símbolo muito utilizado no desfile, pois ela significa a abertura dos caminhos e também os múltiplos caminhos possíveis. 

Era homem, era bicho-flor
Bicho-homem, pena de pavão
A visão que parecia dor
Avisando Salvador, João!

Joãozinho relatava ter intensas dores de cabeça, acompanhadas de visões durante a noite, quando era criança e adolescente. Ele não sabia exatamente o que eram essas visões. Se elas pareciam dor no começo, depois se mostraram um caminho para ele seguir a vida e sair do interior da Bahia para Salvador. O pavão é um pássaro associado a Oxóssi (orixá da cabeça de Joãozinho) e foi homenageado por uma das canções que Joãozinho gravou em um dos seus LPs com músicas de candomblé. Este trecho também mostra as múltiplas faces de João. Além de pai de santo, ele foi bailarino e dançarino, tendo se apresentado em palcos importantes da cidade do Rio de Janeiro. 

No Camutuê Jubiabá
Lá na roça a gameleira
Da Gomeia dava o que falar
Na curimba feiticeira

Jubiabá foi o pai de santo que fez a iniciação de Joãozinho. Camutuê é cabeça, em banto. Esse trecho se refere a força de Jubiabá, que estava dentro da cabeça. Gomeia era o nome do terreiro de Joãozinho e era chamada também de roça, por estar afastada do centro da cidade. Joãozinho dançava os dois tipos de candomblé (Angola e Ketu), o que era inovador para a época, “dando o que falar”. Esse também pode ser uma referência a atração que o terreiro dele foi se tornando, atraindo artistas, intelectuais e políticos. 

Okê! Okê! Oxóssi é caçador
Okê! Arô! Odé!
Na paz de Zambi, ele é Mutalambô!
O Alaketo, guardião do Agueré

Para explicar este trecho reproduzimos o texto escrito por Luiz Antônio Simas (publicado em seu perfil no Twitter): “Okê Arô é a saudação de Oxóssi. Okê é algo como grito, voz que se impõe. Arô é um título de nobreza. Okê Arô é algo como “o senhor cuja voz ecoa” ou “que brada”. Odé é título genérico para divindades da caça entre iorubás. Oxóssi é um Odé; divindade da caça e da fartura. Zambi é Zambiapungo, o deus maior das divindades do candomblé de Angola. Mutalambô é a divindade das matas, da caça e da fartura para o povo de Angola. Seria uma divindade (inquice) equivalente a Oxóssi entre os iorubás. Joãozinho da Gomeía era filho de Oxóssi (para o candomblé nagô/iorubá) e Mutalambô (para o candomblé de Angola). O refrão é ótimo, pois ressalta esse trânsito que Joãozinho tinha entre duas águas (como o povo do santo costuma dizer): a do culto iorubá e a do culto Angola. O Alaketô é um título de Oxóssi: o Rei de Ketô, um dos reinos iorubás. O agueré é o toque/dança para Oxossi nos candomblés. Uma tradução possível para Agueré é “lentidão” ou “cadência”. Representa a astúcia do caçador que, sorrateiro, entra na mata para caçar.

É isso, dendê e catiço
O rito mestiço que sai da Bahia
E leva meu pai mandingueiro
Baixar no terreiro quilombo Caxias
Malandro, vedete, herói, faraó
Um saravá pra folia

Neste trecho há uma descrição de partes da trajetória do homenageado: sobre a mudança de Salvador para Duque de Caxias e sua participação como destaque em desfiles de escola de samba (no Império Serrano, Império da Tijuca e Imperatriz Leopoldinense) e em concursos de fantasias, dos mais chiques até aos mais populares. Joãozinho foi um apaixonado pelo carnaval carioca. “Rito mestiço” representa a forma do terreiro de Joãozinho, que misturava elementos de distintas tradições. 

Bailam os seus pés

Referência ao fato de Joãozinho ter sido um exímio bailarino. Ele foi professor, por exemplo, de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Teatro Municipal. 

E pelo ar o benjoim

Benjoim eram as folhas usadas por Joãozinho em seus rituais. 

Giram presidentes, penitentes, yabás
Curva-se a rainha

Em seu terreiro, Joãozinho atendeu muitas pessoas famosas, como presidentes e até a Rainha Elizabeth (quando ainda era princesa). Por isso esse trecho do samba faz essa referência, lembrando de todos que foram pedir sua “benção”. 

E os ogans batuqueiros pedem paz

Ogans são sacerdotes masculinos responsáveis por diversas funções em um terreiro. Ogans batuqueiros são aqueles responsáveis pelo toque do tambor.